sábado, 14 de fevereiro de 2015



RESENHA CRÍTICA DO LIVRO: O MATADOR (PATRÍCIA MELO)

Uma simples aposta perdida que ger
a uma vertiginosa e inevitável série de fatos que levam o protagonista para o céu e o inferno ao mesmo tempo. Com essa curta frase pode-se resumir bem o romance de Patrícia Melo, anônima e brilhante escritora contemporânea, porém não se revela a história, não entrega nada, pois aqui interessa muito mais o como e o porque, e menos o que. Ainda que o começo da trama e a premissa dos fatos desencadeados cause surpresa, justamente por sua aparente banalidade, o que acontece a partir daí na história não surpreende tanto, chegando mesmo a ser esperado pelo leitor, e é aí que reside todo o encanto e originalidade do livro; mesmo imaginando como será a trajetória do protagonista, o leitor ainda se surpreenderá com a forma como as coisas ocorrem, como cada ação leva a uma outra ação é completamente inesperado, absurdo, até mesmo inverossímil, aliado a isso a incrível, majestosa e cortante linguagem de Patrícia Melo, uma linguagem veloz, onde diálogos, descrições e fluxos de pensamento misturam-se sem pontuação alguma, chegando muitas vezes a confundir o leitor, este sendo jogado e caindo num turbilhão de palavras, pensamentos e cenários, lembrando bastante José Saramago quando se trata de linguagem ininterrupta , sem dever nada ao imortal escritor português, pois a semelhança acaba aí.

A promissora autora, que, aliás já tem seu nome consagrado na literatura brasileira policial contemporânea, vem de uma linhagem inaugurada por Rubem Fonseca, completamente inédita no Brasil, exatamente pela linguagem usada, pois os temas policial e de crime urbano já existiam desde sempre, uma linguagem ágil, perfurante, ácida e irônica, construídas com maestria única. Voltando ao romance outro ponto alto são os personagens, comuns, banais e únicos, em sua simplicidade surge uma profundidade abismal, suas ações e seus desejos são os menos possíveis de se esperar, com os problemas e angústias universais eles os tratam com uma singularidade jamais vista, desde o protagonista Máiquel, que vê-se jogado e mergulhado em uma existência que não escolheu mas que o puxa toda vez que ele tenta sair, e que com o tempo passa a gostar, chegando a escolhê-la por vontade própria. Erica, talvez a personagem mais enigmática e perturbadora do livro, menina de dezesseis anos, vítima de brincadeiras e acasos do destino, que faz um percurso inacreditável para a personagem, tão impossível quanto sua sorte. Enfim, um romance absolutamente brilhante, único, desde a técnica de escrita até seu enredo tão maravilhoso quanto inacreditável, que mostra com perfeição e também com muita dor como somos jogados em lugares que não queríamos e o preço que se paga para se sair de lá, quando se é possível pagar.           

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

ENTÃO ELE SAIU DA CAVERNA E FOI AÍ QUE TUDO COMEÇOU...

Este texto é antes de mais nada um depoimento e também é uma narrativa, é o singelo e estranho relato verídico de um garoto que um dia decidiu fazer letras, que tomou hábito pela leitura graças a uma sábia que conhecia todos os mistérios da nobre e perigosa arte de escrever, uma mulher que mais parecia uma fada madrinha, que com sua varinha tocou lá no fundo empoeirado de um coração juvenil que ansiava por libertar-se. E assim começou a jornada empreendida por mim rumo ao reino da sabedoria e da verdade, ali eu me libertei do primeiro grilhão que prendia-me dentro da caverna da ignorância, mas ainda não podia ver claramente o que me aguardava lá fora, estava cego para o conhecimento, e assim aguardei pacientemente no escuro, lia, lia e lia cada vez mais, e me alimentava de cada palavra, de cada letra, e em meio a milhares de dúvidas sobre o futuro, um dia simplesmente segui meu coração e minha loucura (afinal eu queria fazer Letras), e assim como Alice, despenquei num poço que parecia não ter fundo, fui caindo, caindo e caindo e quando achava que não poderia cair mais, choquei-me com um chão fofo e amortecido com gravetos. Foi então que saí das trevas e mergulhei em uma luminosidade cegadora, abri os olhos e eles doíam, vi com dificuldade o conhecimento e demorei a acreditá-lo, estava livre, enfim havia acertado na ousada escolha, entrava na faculdade tão sonhada e tempos depois confirmava a escolha, dessa vez guiado por um novo mestre, que me ensinou todos os caminhos que levam a infinitos lugares, e agora retorno a caverna para mostrar a todos aqueles que ainda não acreditam e estão cegos.




Espero com essa significativa e real história, mostrar a todos aqueles que encontram-se perdidos, que por algum motivo ainda não descobriu o que irá fazer, que ainda não se descobriu, ou que tem medo de que a escolha que faça seja errada, para os que pensam assim eu preciso dizer que a única escolha errada que existe é a de não escolher, a de não tentar, não arriscar, não errar. O que quer que escolham, que seja verdadeiro, único, de coração e se por acaso caírem, apenas lembrem-se que devem levantar-se e começar tudo outra vez, e mesmo que apenas uma pessoa acredite em você já é o suficiente, e é assim que se vence.



   
Dedicado a sora Jack e ao mestre jedi Cido, verdadeiros mentores que libertaram-me e mostraram a flamejante luz do conhecimento, que acompanharam-me e presenciaram meus primeiros passos sozinho, e me deixaram tropeçar e cair algumas vezes para que eu pudesse me levantar de novo e tentar outra vez. 

RESENHA DO FILME HER (2013)

A história de um ser humano que se apaixona por um sistema operacional interativo...poderia resumir o filme nessa frase, embora eu ache que não faria justiça a grandeza, originalidade e profundidade da história. Her nos conta de forma sutil e arrebatadora como lidamos com a tecnologia e ao mesmo tempo os desejos de conexão do ser humano, tão atemporais e que sempre existiram na humanidade, desejos estes que possuem seus benefícios e consequências. Seria mais uma entediante e clichê história de amor impossível, se não fosse pelo fato de há algo a mais aqui, há uma força poderosa e vivificante que mostra os relacionamentos a dois sob um prisma ao mesmo tempo universal e único; mostra a complexidade de se lidar com relações reais e humanas, mas também mostra uma nova e libertadora visão sobre o amor e o desejo, não se trata aqui da tão conhecida incompatibilidade humano/máquina, se trata da interação entre dois corações, duas mentes, duas vidas, uma voz incorpórea programada como sistema operacional, mas que sente, deseja, e ao fazer isso torna-se um "eu", um sujeito. A sutil crítica as relações virtuais e a tecnologia surge aqui mostrando a incapacidade para se relacionar com pessoas reais mas também sugere que qualquer forma de busca por contato, por alguém que te complete é válida, e aí está justamente a beleza e contradição de tudo: um relacionamento "artificial" pode tornar-se mais real e verdadeiro do que um relacionamento normal, humano...
Realmente Spyke Jonze nos faz ver o mundo de um jeito diferente, com um romance mais profundo e verdadeiro do que a maioria das histórias de amor que conhecemos.




RESENHA DO FILME THE ROYAL TENENBAUMS (2001)

Estupefação e maravilhamento...essas duas palavras poderiam resumir muito bem esse que é um daqueles filmes que podem ser chamados de obra-prima, patrimônio cultural artístico da humanidade. O enredo gira em torno da família Tenenbaum, os três filhos do patriarca Royal Tenenbaum são gênios, cada um em algo, até que os casal separa-se e após 17 anos a família reencontra-se para recuperar o contato e para conhecerem-se melhor e ajustar contas com o passado. Aqui Wes Anderson mostra e consagra-se como um dos mais peculiares e inovadores cineastas de todos os tempos, a tragicomédia da família Tenenbaum conta uma fábula familiar, desde seu tom de narrativa infantil, com um narrador nos contando a história, passando por uma comédia deliciosa e aconchegante de se ver até um intenso e cotidiano drama familiar. Aqui a comédia caseira não limita-se aos modismos nem as suavidades do gênero, mostrando que as relações pessoais nem sempre encaixam-se bem, as situações e os desfechos não são redondos e exatos, na verdade são móveis, desconcertantes. O aspecto visual de cenários e figurino são impecáveis, aparecendo não por acaso, nem gratuitamente, mas para servir de base para o andamento da história, ajudando a contar a história. Uma sessão de quase duas horas de alumbramento artístico, humor e diversão.